domingo, 4 de outubro de 2009

Era uma manhã de verão como outra qualquer no interior da Bahia, Mário o enigmático poeta conquistense que vivia solitário em seu apartamento no centro da cidade, acordou ao som estridente do despertador que ficava no criado mudo ao lado da cama, programado para alarmar às cinco da manhã. Como sempre, levantou afoito e assustado, deu um salto direto pro banheiro, metodicamente fez a barba, entrou no box, tomou um banho quente mesmo estando lá fora um calor infernal, mas ele sempre se lavava com água quase fervente, e portanto não poderia sair dessa sua rotina.

Voltou ao quarto, dirigiu-se ao guarda-roupa, no qual estavam todas as suas camisas sociais vermelhas, as suas calças jeans azul-claras, suas cuecas sempre brancas e os seus dois mocassis um preto e outro marrom. Passava cerca de cinco minutos escolhendo não se sabe o que, pois todas aquelas roupas eram iguais, era um figurino típico e uniforme daquele homem atordoado, artístico, poético e intensamente triste pela falta de amor, paixão, amizade. Era um coração desfalecido, uma vida onde os moinhos não giravam, era simplesmente um aquilo dentro dos diversos modos de vida existentes.

Mário vivia dos livros de poesia que vendia na praça logo em frente ao seu modesto lar, todos os dias às sete da manhã ele permanecia junto da Loja Fênix, só saia para comer aquela gororoba do restaurante do Seu José, que vendia um PF com refresco de caju por quatro reais e noventa centavos. Sem alternativa, Mário sagradamente se sentava à mesa de boteco forrada com toalha xadrez, comia aquilo e não se importava com a qualidade, sua vida era sim insignificante. Após o pobre almoço, retornava ao seu ponto de venda, onde vendia aqueles livros que nem mesmo ele conseguia ler, eram poesias sem alma, ridículas, daqueles poetas de pouca perspicácia e sem arte, tal fato o revoltava. Ele um grande poeta não tinha se quer a possibilidade de declamar a sua poesia em público, já que era mudo, quanto mais publicar um livro com suas obras esplêndidas e superiores aquelas.

No fim da tarde, passava na padaria do Seu Júlio – comprava cinco pães, um litro de leite, chegada em casa indo para a cozinha coar o café, ferver o leite (que geralmente derramava com freqüência), esquentava o pão com manteiga na panela aquecida pelo fogo do pequeno fogareiro de duas bocas que conservava próximo a pia de lavar pratos. Assim constituía o seu banquete noturno, posteriormente tomava um banho frio na noite gelada da cidade conhecida como a Suíça baiana, mas ele pouco se importava, pois era isso o cotidiano das suas noites tenebrosas e ao mesmo tempo produtivas, visto que era nesses instantes que a inspiração surgia. Após o banho, vestia o pijama vermelho com bolinhas brancas, o único que possuía no seu armário, acomodava- se no velho sofá da sala, assistia um pouco do noticiário televisivo.


Então por volta das 24 horas, sentava na cadeira plástica junto à mesa forrada com uma toalha verde-limão, ali produzia a sua obra poética, que era sim desconhecida, contudo sua vida sem sentido ganhava algum através da sua alma poética e muda, que lhe fazia transcender todas as dores, temores, todo o seu mutismo, apenas aumentando a vontade de declamar o escrevia.

Num certo dia, especificamente em 24 de maio de 2002, Mário fez tudo aquilo que sempre fez, cumpriu todo o esquema infeliz e rotineiro. Porém isso só durou até passar na padaria do Seu Júlio, onde comprava o pão e leite de cada dia, ali ocorreu algo diferente, não era mais o velho Júlio que estava atrás do balcão, mas sim uma linda moça de mais ou menos vinte anos. Tal fato deixou Mário curioso e desconfiado, ele um cara de trinta anos, viu aquela linda garota trabalhando naquela padaria suja e grotesca... Logo se perguntou: “Onde estar o velho Júlio?” e o pior é que não tinha nem como perguntar, ele era mudo. Ficou lá olhando, foi quando alguém que também comprava o pão e o leite de cada dia comentou com outro alguém que o velho Júlio estava doente, por isso que sua neta Ana veio de Planalto para tomar conta dos negócios. Tendo escutado isso... Escutado? Sim escutado, pois Mário era apenas mudo, ele perdeu a voz ainda na infância quando teve um problema nas cordas vocais e teve que praticamente tirá-las. Ele retornou para seu apartamento com a bela imagem de Ana cravada em seus neurônios. Naquela noite não conseguiu se quer dormir, fechava os olhos via Ana, se fosse pensar em algo pensava em como conquistar aquela formosura de menina – A insônia percorria a noite, e seu coração estava realmente apaixonado como nunca esteve, deixou de ser leviano. Suas poesias depressivas, sombrias e tristes, passaram a pulsar de forma diferente, mais apaixonante e apaixonada.

Ana pouco notava aquele pobre poeta mudo, ela nem se quer sabia de quem se tratava, entretanto certo dia Mário se apresentou através de uma linda orquídea com um bilhete perfumado que dizia: “Olá Ana, sei que você não me conhece, nem se quer me nota, porém eu sou aquele que mudamente lhe ama, que passa noites em claro em busca do seu olhar, que observa seu leve caminhar todas as manhãs em frente a Loja Fênix e que humildemente compra a partir de suas lindas mãos pães e leite. Meu nome é Mário e estarei hoje na padaria as 19 horas vestido com uma camisa verde, calça preta e sandália de dedo azul.”

No horário previsto no bilhete, Mário compareceu, enquanto Ana atrás do balcão estava aparentemente tranqüila, mas seu jovem coração estava aflito para saber quem era o autor daquele lindo e enigmático pedaço de papel perfumado. Mário entrou na padaria, e lá estava Ana com os olhos brilhantes olhando fixamente para a maravilhosa orquídea que havia lhe custado alguns dias sem almoço no restaurante do Seu José. Ele se aproximou lentamente, então foi quando Ana reconheceu aquele perfume... Virou-se e deu de cara com um homem trajado como o previsto no bilhete, de um olhar triste e apaixonado, com um leve sorriso no rosto sobre a barba por fazer, logo notou que era o tal do Mário. Ela começou a conversar com ele, mas era obvio que ele nada respondia. Isso deixou Ana irritada, contudo Mário através de gestos explicou que era mudo. A menina achou graça de si mesma, por não ter percebido antes, e logo se desculpou. Pegou papel e caneta entregou a Mário, assim puderam dialogar. Foi uma “conversa” produtiva, engraçada que aquele homem metódico até se esquecer que deveria estar em casa sempre antes das 19 horas. Conversaram bastante e marcaram para sair na noite seguinte.

Ana gostou muito do seu mudinho, como ela mesma dizia para as amigas, já Mário não conseguia disfarçar a sua alegria, agora a sua vida era sim muito para ser insignificante. Eles saíram muitas vezes, começaram a namorar, noivaram e foram morar juntos. Ana passou a declamar as poesias do seu poeta mudo entre seus familiares, amigos e conhecidos, até que certo dia um homem bem trajado ficou sabendo do sucesso de um tal Mário Cajazeiras, e se dirigiu ao centro de Vitória da Conquista para saber quem era aquele homem e sua fiel declamadora conhecida como Ana Elgin. O homem bem trajado era Aluízio Fernandes dono de uma editora paulista que logo se interessou pelas poesias do poeta mudo. Dessa forma Mário e Ana tornaram-se regionalmente conhecidos através daquela arte que por tanto tempo esteve afonia e morta entre as paredes silenciosas do humilde apartamento central e sombrio de um homem que por longos anos foi extremamente triste.

2 Comentários:

Blogger Lailla Mendes disse...

Era um coração desfalecido, uma vida onde os moinhos não giravam, era simplesmente um aquilo dentro dos diversos modos de vida existentes.
Pseudonaaaa! kkk tá massa brau!

5 de outubro de 2009 às 06:05  
Blogger Unknown disse...

uma narrativa poética, e ainda de quebra com final feliz! :)
só acho que os acontecimentos poderiam ter sido descritos mais detalhadamente!!
:)

8 de dezembro de 2009 às 19:43  

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